Diante da repercussão gerada em torno dos meteoritos encontrados em Santa Filomena, Pernambuco, e em função da discussão aberta sobre a falta de uma legislação específica sobre a posse e o comércio de meteoritos no Brasil, a BRAMON, Rede Brasileira de Observação de Meteoros, manifesta, através deste, a opinião da instituição que há mais de 6 anos contribui com a ciência dos meteoros e meteoritos no Brasil.
A BRAMON se posiciona veementemente contrária à criação de leis que visem proibir ou limitar o comércio de meteoritos no país, por entender que o comércio dessas rochas espaciais é de essencial para estimular a busca de novos meteoritos e, consequentemente, o avanço da ciência nessa área. Por outro lado, enxerga com muita satisfação o interesse e o envolvimento do poder público neste assunto, algo que é de grande relevância para o desenvolvimento dessa ciência no país e pode contribuir para maximização do impacto social que a queda de um meteorito pode deixar.
É sabido que o estudo dos meteoritos é de fundamental importância para se compreender a dinâmica e os processos de formação do Sistema Solar e até mesmo do surgimento da vida na Terra. Para a ciência, essas rochas espaciais podem ter um valor inestimável. Nos trazem o material de asteroides e cometas, os quais gastaríamos bilhões de reais para ir buscá-los no espaço, mas que através dos meteoritos, nos chegam praticamente de graça.
Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, colecionadores e comerciantes de meteoritos são importante aliados para a ciência. É graças ao valor comercial agregado aos meteoritos que as pessoas se interessam em buscá-los em campo. O caso do meteorito em Santa Filomena mostra muito disso.
Ao surgirem as primeiras notícias a respeito do meteorito, foram até lá pesquisadores, colecionadores e caçadores de meteoritos de todo o Brasil e até de fora do país. Entretanto, em duas semanas de buscas, muitos não conseguiram encontrar sequer um fragmento e os que conseguiram, foram apenas alguns poucos gramas. Graças ao valor comercial dos meteoritos, os moradores locais ajudaram nas buscas e estes sim encontraram dezenas de quilogramas de meteoritos, incluindo as maiores massas encontradas até então.
O valor comercial elevado permite que comerciantes de meteoritos se desloquem até o local, comprem as peças encontradas por um bom valor e possam revender à cientistas, colecionadores e museus, com agilidade suficiente para cobrir todos os custos de viagem e ainda obter lucro. Graças a esses comerciantes, alguns moradores de Santa Filomena, puderam receber por seu achado, quantias superiores a anos de trabalho duro no campo. Esse dinheiro, além de ser capaz de mudar a realidade de algumas famílias, movimenta a economia da região e pode deixar um importante legado a médio e longo prazo.
Por outro lado, se os meteoritos fossem destinados apenas para pesquisa, ou se houvessem medidas que coibisse o comércio deles, somente os pesquisadores se motivariam a buscá-los, grande parte deles poderiam se perder nos campos e se deteriorar sem nunca serem encontrados. Os moradores que eventualmente encontrassem não se interessariam em informar as autoridades e provavelmente procurariam meios clandestinos de vendê-los.
Países como Argentina e África do Sul, viram a meteorítica praticamente desaparecer depois de criarem leis que proibiram o comércio de meteoritos. Na África do Sul, uma lei de 1999 nacionalizou os meteoritos que caíssem no país. Desde então, apenas dois meteoritos foram registrados lá e há pelo menos uma queda conhecida em que o meteorito foi encontrado e contrabandeado sem ter uma única amostra analisada no país. A Argentina que sempre registrou mais meteoritos que o Brasil, desde que criou uma lei semelhante em 2007, teve apenas dois meteoritos registrados e viu o tráfico tomar conta do setor, movimentando milhões de dólares anualmente e levando para fora do país suas principais peças. Os meteoritos deixaram os artigos científicos e passaram a frequentar as páginas policiais.
Ainda que ciente da importância do estudo dos meteoritos e da importância dos caçadores, comerciantes e colecionadores para esse ecossistema, algo que incomoda a muitos é perceber que, em um caso como o de Santa Filomena, aquela rocha espacial que presenteou o município tornando-o conhecido internacionalmente, será comercializada e levada para fora do Estado e até mesmo para fora do Brasil. Mesmo tendo mudado muitas vidas e tendo movimentado a economia da região, é normal enxergar isso com uma sensação de perda, imaginando que seu legado poderia ser bem maior e bem mais duradouro se o município tivesse mantido ao menos um bom pedaço por lá.
E de fato, o poder público pode agir em casos como esse para tentar manter no município um bom fragmento do meteorito. Em 2010, no município de Varre-Sai, RJ, a prefeitura comprou o maior fragmento encontrado e destinou ele para a construção de um museu na cidade. Pode parecer um gasto elevado para os municípios menos desenvolvidos, mas é de fato um investimento que pode dar um bom retorno a médio e longo prazo. Em 2017, uma parceria entre a Prefeitura de Palmas de Monte Alto, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, a Universidade Federal da Bahia e um colecionador, possibilitou a aquisição do Meteorito Três Irmãos, destinando-o para pesquisa e exposição nestas instituições.
Um museu, além de expor alguns meteoritos, pode contar um pouco da história do ocorrido, com dados técnicos, depoimentos e imagens, abordando também a importância desses objetos para a ciência. No caso de Santa Filomena, os estudos da BRAMON (Rede Brasileira de Observação de Meteoros) permitem também contar um pouco da história do asteroide antes dele atingir a atmosfera da Terra e dar origem aos meteoritos que caíram por lá. Tal museu seria importante atrativo turístico para a cidade, que poderia inclusive oferecer aos visitantes a oportunidade de caçar meteoritos nas áreas de dispersão calculadas, gerando uma nova atividade econômica que poderia envolver a população e os donos de terras na região. Além disso, o museu seria um equipamento de ensino e divulgação da ciência junto aos estudantes de Santa Filomena e região. E se puder contribuir para a educação, esse meteorito certamente poderá deixar um legado muito mais duradouro e significativo para o município.
Por fim, a BRAMON se disponibiliza para contribuir na busca das melhores soluções, seja na elaboração de legislação específica, seja no planejamento de ações públicas tanto para o caso de Santa Filomena, quanto para os futuros casos de quedas de meteoritos no país.
Brasil, 04 de setembro de 2020
Subscrevem este manifesto,
- Renato Cássio Poltronieri, presidente
- Carlos Augusto di Pietro Bella, vice-presidente
- Marcelo Luiz do Prado Villarroel Zurita, diretor técnico
BRAMON – Rede Brasileira de Observação de Meteoros
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