Uma Aurora Austral no Rio de Janeiro?

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A atividade solar de maio 2024 tem causado belíssimas auroras boreais e austrais, o que nos remete ao Evento Carrington, famosa tempestade geomagnética que ocorreu entre os dia 1 e 2 de setembro de 1859, ficou conhecida como o maior fenômeno do gênero já registrado pela humanidade.

Ilustração da aurora austral vista em Santiago do Chile, em 1859

Ilustração da aurora austral vista em Santiago do Chile, em 1859

Apesar de não existir nenhuma referência histórica de auroras causadas pelo evento no Brasil, que à época estava em uma latitude geomagnética mais desfavorável que agora, no Chile o fenômeno das Auroras foi visto em várias cidades, incluindo as coloniais Santiago do Chile e Concepcíon!

 

O relato do evento chileno pode ser encontrado no texto “Soc. Chilena de Hia. y Geografía – Nº 9 , SETIEMBRE DE 1859, Tomo XVI.
METEOROLOGÍA.—Aparición de una Aurora austral en Santiago y Concepción.”

Pesquisas históricas sobre a ocorrência de Auroras Austrais visiveis no Brasil durante o Evento Carrington, feitas por Denny M. Freitas et al no artigo “A possible case of sporadic aurora observed at Rio de Janeiro” mostram que não tivemos relatos na imprensa de auroras no Brasil em 1859, porém relata um caso interessante de uma possivel aurora esporádica registrada no Rio de Janeiro em 15 de fevereiro de 1875, quando o experiente astrônomo francês e então diretor do Observatório Imperial, Emmanuel Liais, observou nos céus do Rio o que seria uma forte e duradoura Aurora Austral. O relato foi publicado resumidamente no Jornal do Commercio (RJ) e em sua íntegra no jornal A Nação: Jornal Politico, Commercial e Litterario (RJ).

Recorte de Jornal -A Nação : Jornal Politico, Commercial e Litterario (RJ)

A Nação : Jornal Politico, Commercial e Litterario (RJ) 1875

Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1875

Jornal A Nação

Aurora austral: O Sr. Emmanuel Liais, director do observatorio astronomico do Rio de Janeiro, enviou-nos ontem as sequintes observações que fez sobre a aurora austral, de que já démos resumida notícia:

A’s 7 3/4 da noite foi a minha atenção despertada por uma especie de véo espalhado sobre todo o céo formando uma serie de listras esbranquiçadas, que começavam ao sul sobre um arco de circulo, cujo centro achava-se abaixo do horisonte, na direção da agulha magnetica de inclinação. As listras ou raios eram de tal extensão que atravessavam o céo do sul ao norte, onde convergiam para o ponto diametralmente oposto.

Esta disposição, reproduzindo a forma das auroras boreaes, fez-me desde logo suppôr que bem podia ser uma aurora austral o phenomeno que presenciava; infelizmente não podia affirmal-o por causa da presença da lua momentos depois, porém, fiquei inteiramente convencido disso, graças a outras circumstancias que o acompanháram.

Com effeito, depois de cinco minutos de observação, passaram de oéste para léste, e duas vezes manifestaram-se variações successivas de intensidade nos raios, como se dá frequentemente nas auroras boreaes e austraes. Além disso, passados mais alguns minutos os raios, cujas intensidades haviam augmentado, tomaram na parte inferior uma tenue côr avermelhada e na superior verde desmaiada, que não podia ser effeito da luz reflectida da lua.

Observei então com o espectroscopio, onde appareciam linhas brilhantes, indicio certo de luzes proprias. Todas elas pertenciam ao enxofre, substancia que, como é sabido, encontra-se em quantidade apreciavel na atmosphera.

Em seguida olhei para o norte, onde vi dous relampagos, e notei que se formavam pequenas nuvens de uma fórma variavel pelo effeito de condensação e da dissolução de vapores. Muitas nuvens caminhavam na direção de léste, um pouco ao sul, passando abaixo dos raios da aurora; ao mesmo tempo estes diminuiam de intensidade e as côres da parte inferior tinham desapparecido.

Observei mais um halo fraco em volta da lua, dentro de um tenue véo de vapor, e como já o assignalou por Bravais, este halo era um tanto mais forte nas intercepções com os raios da aurora. Pouco depois estes raios começaram a encurtar e a retirar-se para o Sul.

Foi então que deixando a observação ás 8 horas e 20 minutos, mandei para o Jornal a noticia deste phenomeno. Quando tornei a subir ao terraço os numerosos raios existiam ainda, porem mais curtos e mais fracos. Pelas 8 horas e 40 minutos começaram a desapparecer, e ás 9 horas só se vião pequenos vestigios delles junto ao horisonte, de léste a oeste particularmente.

A’s 10 horas parecia quererem formar-se outra vez dous ou tres raios, mas desappareceram pouco depois, e pequenas nuvens condensaram-se sobre diversos pontos do céo. Nada mais aconteceu até às 3 horas da madrugada, occasião em que fui chamado para vêr dous raios brilhantes que tinham reapparecido a leste, e que por causa da ausencia da luz lunar, chammavam mais a attenção.

Depois de diminuirem, reapparecêram quatro raios na mesma região, mais fracos, porém, do que os primeiros, e duraram até que a luz do dia nascente veio fazer cessar de todo o phenomeno, e ao amanhecer o céo mostrou-se coberto de tenues cirrus.

São estes os pormenores da observação, cujas deducções farão o objeto de uma memoria especial.

Não se conhece a natureza do que foi observado pelo cientista naquela noite, nem mesmo se era uma aurora austral esporádica e anômala ou outro fenômeno, porém se sabe que Emmanuel era um experiente observador do céu e de auroras boreais e que possivelmente não se deixaria confundir com fenômenos de outra natureza.

Resta saber se realmente àquela época, seria possivel uma aurora austral tão ao norte, de forma tão contundente e duradoura. Uma pergunta que fica aos estudiosos do fenômeno.

Agradecimentos a Andrés Esteban pela referência acerca da aurora vista no Chile, em 1859.

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