A Tiangong-1, um módulo pressurizado de 10 metros da estação espacial chinesa, está se aproximando de uma reentrada descontrolada na atmosfera da Terra nos próximos dias, após sofrer uma falha de energia em 2016, marcando o início de uma descida lenta em direção a sua eventual desintegração.
A reentrada de Tiangong-1 é considerada um “evento de alto risco” por aqueles que rastreiam eventos como este porque fragmentos do módulo sobreviverão e impactarão o solo. No entanto, o risco de qualquer indivíduo ser atingido é minúsculo, bem abaixo da probabilidade de ser atingido por um raio, ao contrário do que a imprensa sensacionalista estará escrevendo a respeito do mergulho ardente da nave espacial.
Veja aqui uma síntese atualizada das previsões de reentrada.
A seguir, será apresentada uma visão aprofundada sobre a nave espacial Tiangong-1 e sua missão, bem como os riscos associados à sua reentrada descontrolada para a atmosfera.
Resumo
A Tiangong-1 (termo em chinês para “Palácio Celestial”) foi lançada pelos chineses em setembro de 2011 como o primeiro módulo da estação espacial do país, servindo como um passo para uma grande estação modular, com recursos permanentes no futuro. A nave tinha uma massa de 8.506 Kg e operava em uma órbita de 370 Km em grande parte de sua missão.
A TG-1 recebeu um total de três espaçonaves visitantes: Shenzhou-8 em 2011, quando foi realizada a primeira manobra de acoplamento da China; a Shenzhou-9, que levou uma tripulação de três taikonautas (como são conhecidos os astronautas chineses) para o complexo em 2012 para o primeiro acoplamento manual realizado pela China; e a Shenzhou-10, novamente com uma tripulação de três taikonautas em 2013 para uma estadia de duas semanas se familiarizando com a habitação no espaço.
Para coletar o máximo de informação possível, a China queria manter a Tiangong-1 em operação pelo tempo que fosse possível para provar a longevidade da tecnologia de seu módulo de estação.
Entretanto, a Tiangong-1 parou de realizar as manobras regulares de manutenção orbital em dezembro de 2015. As informações vazavam lentamente e só ficou claro que a China havia perdido o controle do módulo da estação em meados de 2016, quando a agência de notícias estatal chinesa confirmou que a nave havia sofrido uma falha de energia elétrica.
Sem a capacidade de controlar sua órbita, a Tiangong-1 iniciou uma lenta descida em direção à atmosfera.
Visto que a atmosfera da Terra é altamente dinâmica e reage à influências externas como a atividade solar, uma localização ou hora exata para que ela se transforme em uma bola de fogo em sua reentrada, não pode ser prevista. Entretanto, a medida em que nos aproximamos do evento, as previsões se tornam mais refinadas.
Devido a sua construção robusta e de grande porte, a Tiangong-1 não vai se desintegrar totalmente durante a reentrada. Cálculos conservadores indicam que ao menos uma tonelada da nave espacial poderia sobreviver e chegar ao solo, em qualquer lugar entre as latitudes 43° norte e 43° sul.
Reentradas Anteriores de Estações Espaciais
A Tiangong-1 não é a primeira estação espacial a se destruir em uma reentrada descontrolada. Na verdade, alguns sofreram um destino semelhante nos primeiros passos do homem no espaço.
O primeiro foi Kosmos-557, originalmente destinado a se tornar o Salyut-3, a terceira estação espacial Salyut da Rússia. No entanto, logo após o lançamento bem sucedido em um foguete Proton em maio de 1973, o módulo de 19,4 toneladas métricas encontrou um erro no sistema de controle de vôo que levou os propulsores de orientação da nave a disparar até que seus tanques estivessem vazios. Encalhado em uma órbita de 218 x 266 Km, a estação estava de frente para uma reentrada rápida. Para evitar o constrangimento, os soviéticos tentaram minimizar o fracasso chamando a nave espacial de Kosmos 557, que reentrou apenas 11 dias após seu lançamento.
Para completar o vexame, a Salyut-2, pesando cerca de 18,5 toneladas, reentrou à atmosfera de forma descontrolada menos de uma semana após Kosmos 557, depois de permanecer apenas 54 dias em órbita. O veículo teve inicialmente um lançamento bem sucedido, mas o terceiro estágio do foguete Proton explodiu três dias depois colocar a Salyut-2 em órbita, e um destroço do foguete atingiu a nave em seu 13º dia de missão, provocando um vazamento da pressão interna, fazendo a estação girar descontroladamente até cair.
Mas a maior estação espacial a reentrar na atmosfera de forma parcialmente descontrolada foi a Skylab em julho de 1979, após mais de seis anos em órbita, servindo como o primeiro posto americano avançado de longa duração. Depois de hospedar três tripulações por um total de 171 dias entre 1973 e 1974, o Skylab foi deixado em uma órbita estável de 433 x 435 Km depois de um impulso final durante a terceira missão tripulada para prolongar a vida orbital para futuras missões, já que havia abundância de suprimentos ainda disponível a bordo do complexo.
Com sua compreensão limitada da dinâmica de decomposição orbital, a NASA previu que Skylab poderia ficar em órbita por quase uma década, servido para os então futuros ônibus espaciais, para uma potencial missão de serviço. Até 1977/78, os estudos mostraram que os sistemas de Skylab ainda estavam operacionais e a estação era segura para a habitação humana. No entanto, os planos para uma visita de retorno nunca receberam os fundos necessários.
Curiosamente, o enorme corpo do foguete S-II de cinquenta metros de altura que colocou o Skylab em órbita reentrou à atmosfera em janeiro de 1975. Foi um evento que recebeu pouca ou nenhuma atenção da imprensa, mas a NASA observou de perto como várias partes pesadas, incluindo a os cinco motores J-2, deveriam sobreviver à reentrada. O S-II reentrou de forma inofensiva sobre o oceano, mas o evento foi um alerta para a NASA, de que algumas medidas deveriam ser tomadas quando os últimos dias de Skylab se aproximassem.
Com Skylab se aproximando da reentrada, foram realizados estudos que indicavam que cerca de 25 toneladas da estação poderiam atingir a superfície, com cerca de 500 peças espalhadas em uma área de 1500 Km de largura e 6000 Km de comprimento. Pelo padrão de cálculo atuais, o Skylab foi o evento de reentrada mais perigoso até hoje, com quase 0,65% de chances de atingir uma pessoa e 10% de chances de atingir uma cidade.
Para diminuir as chances da Skylab entrar em território populoso, o controle da NASA tentou modificar o arrasto da estação, ajustando sua orientação para apontar um pouco para um grande trecho de oceano, idealmente iniciando o processo de entrada no sudeste da Cidade do Cabo na África do Sul.
A reentrada iniciou às 16:37 UTC de 11 de julho de 1979 e Skylab conseguiu permanecer sem se despedaçar até 16 Km de altitude (para uma nave espacial moderna típica, a destruição começaria em torno de 65 Km de altitude). Os restos de Skylab acabaram caindo na Austrália Ocidental sem que ninguém tivesse se ferido como resultado da reentrada da espaçonave.
O Skylab foi o segundo equipamento mais pesado a reentrar na atmosfera. O mais pesado foi a Estação Espacial Mir que fez uma reentrada controlada em março de 2001, e só deve ser superada quando a Estação Espacial Internacional for propositadamente derrubada no final de sua vida útil.
Tiangong-1 – Projeto da Nave e Visão Geral da Missão
A Tiangong-1 foi levada à órbita no dia 29 de setembro de 2011, a bordo do foguete Longa Marcha 2F (CZ-2F), lançado no Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan no Deserto de Gobi na China. Foi o primeiro módulo da estação espacial chinesa a chegar em órbita com o principal objetivo de demonstrar a tecnologia e os aspectos operacionais necessários para uma grande e modular estação espacial, que a China planeja implantar até o final da década.
A nave espacial Tiangong-1 tem 10,4 metros de comprimento e pesava, no lançamento, 8506 Kg. Se descontado o combustível, sua massa seca seria de cerca de 7,5 toneladas. É composta de um Módulo de Serviço de 2,8 metros de diâmetro que hospeda os sistemas elétricos e de propulsão, e um Módulo Orbital de 3,35 metros que contém os equipamentos de suporte à vida, sistemas de apoio da tripulação e equipamentos de pesquisa, oferecendo 15 m³ de volume pressurizado. Com seus dois painéis solares para geração de energia, a Tiangong-1 tem uma envergadura total de 17 metros.
O Módulo de Serviço, com cerca de 3,5 metros de comprimento, hospeda quatro grandes tanques de propulsão com capacidade de 230 litros de propelente (combustível de Monometilhidrazina e oxidante de Tetróxido de Nitrogênio), alimentando um par de motores principais de 490 Newtons, oito jatos de vernier e 16 propulsores para controle de atitude. Não se sabe quanto propelente ainda resta nos tanques da espaçonave, mas pode ser um fator de risco associado à sua reentrada.
Uma Seção de Transferência une o Módulo de Serviço ao Módulo Orbital de maior diâmetro, contendo também tanques de gás e água para o sistema de controle ambiental. No final do Módulo Orbital de 5 metros de comprimento está o sistema de ancoragem APAS com 1,4 metros de diâmetro.
A Tiangong-1 e sua sucessora foram os elementos centrais na segunda fase de um processo em três etapas delineado no Programa Espacial Tripulado da China. Oficialmente iniciado em 1992 sob o nome de código Projeto 921-2, o programa exigiu três fases principais: enviar um humano para o espaço, estabelecer as ferramentas necessárias para a habitação de longa duração no espaço e implantar uma grande estação espacial modular.
A primeira fase terminou em 2003, quando Yang Liwei se tornou o primeiro humano da China no espaço, orbitando a Terra por 21 horas a bordo da nave espacial Shenzhou-5. Para a segunda fase, a China analisou uma série de desafios a serem superados – especificamente o desenvolvimento de uma nave espacial com capacidade de operar por longos períodos, tecnologia de ancoragem orbital, sistemas avançados de suporte à vida e uma arquitetura de carga operacional para atender uma estação espacial de longo prazo .
Estabelecendo operações em uma órbita a 370 Km de altitude, inclinada 42,8°, a Tiangong-1 foi primeiro visitada pela missão não-tripulada Shenzhou-8. A Shenzhou-8 foi lançada em um foguete CZ-2F em 31 de outubro de 2011 e ligou-se à Tiangong-1 para uma acoplagem totalmente automatizada dois dias após o lançamento, marcando o primeiro acoplamento da China no espaço. Antes que a Shenzhou-8 voltasse à Terra, depois de um vôo de 18 dias, um segundo acoplamento ainda mais desafiador, mostrou que o sistema de navegação guiado por rádio e laser da China poderia lidar com condições de iluminação extremas.
No dia 18 de junho de 2012, dois dias após o lançamento, a Shenzhou-9 âncora na Tiangong-1, com três tripulantes, incluindo a primeira mulher chinesa no espaço. Depois de seis dias, a Shenzhou-9 desacoplou e recuou 400 metros para permitir que o comandante da missão, Jing Haipeng, realizasse a primeira manobra de acoplamento manual da China. Depois de mais quatro dias na Tiangong, a tripulação voltou para a Terra em um pouso seguro auxiliado por pára-quedas.
A segunda equipe da Tiangong chegou em 13 de junho de 2013 a bordo do Shenzhou-10 permanecendo por 12 dias estudando a habitação no espaço para uma missão de duração intermediária e realizar uma série de experimentos científicos. As lições aprendidas com as duas visitas da tripulação ao TG-1 forneceram lições valiosas para o projeto das naves sucessoras, bem como a estação espacial modular da China.
A Tiangong-2 chegou em órbita cinco anos após o primeiro veículo e recebeu uma equipe de dois taikonautas para uma estadia de um mês, estabelecendo um novo recorde para o vôo tripulado mais longo da China. A espaçonave também serviu como alvo para a primeira missão de carga da espaçonave Tianzhou-1 da China, um vôo totalmente automatizado para demonstrar sua capacidade de levar suprimentos e reabastecer de propelente a Estação Espacial da China. Era a peça final no quebra-cabeça necessário para a operação da grande estação espacial.
Tendo cumprido o objetivo principal em 2013, após três visitas da Shenzhou, a Tiangong-1 foi colocada em modo de espera. No entanto, a China queria manter o módulo em órbita o maior tempo possível para estudar a longevidade de seus vários sistemas, um aspecto importante quando se visa a operação de uma grande estação espacial ao longo de muitos anos, talvez uma década ou duas. Funcionários chineses sempre foram questionados sobre o fim da missão Tiangong-1, mas a expectativa era que o módulo pudesse descer lentamente para a atmosfera, antes de uma manobra de reentrada controlada.
Falha em Órbita e Demora da China em Reconhecer a Falha
Ao longo de sua missão principal entre 2011 e 2013, a Tiangong-1 apresentou manobras de manutenção orbital regulares, para manter sua órbita entre 350 e 375 Km de altitude, ficando em uma órbita em torno de 330 x 335 km para as três visitas da Shenzhou. Depois de colocada em modo de espera, após a partida da Shenzhou-10, a Tiangong-1 realizou uma manutenção orbital aproximadamente a cada dois meses, mantendo seu período orbital em 91,5 minutos e evitando o mergulho abaixo de 350 Km de altitude.
A freqüência de manobras diminuiu em 2014, mas a duração de cada queima de ajuste de órbita aumentou. Em abril de 2015, Tiangong-1 fez um par de manobras levando sua órbita de 335 x 348 Km para 385 x 400 Km,a órbita mais alta do veículo até novembro de 2015, quando outra campanha de elevação orbital colocou a Tiangong-1 em uma órbita de 390 x 408 Km . Isso seria um provável esforço para economizar propelente colocando a nave em uma órbita mais alta, onde o arrasto não é tão significativo. No entanto, a manobra de novembro de 2015 seria a última da Tiangong-1.
Os observadores começaram a levantar questões sobre a queda planejada da Tiangong no início de 2016 e a agência estatal chinesa de notícias Xinhua respondeu dizendo que a Tiangong-1 havia encerrado seus “serviços de dados” após uma missão de 1630 dias. “A órbita de vôo do laboratório espacial, que irá descer gradualmente nos próximos meses, está sendo continuamente monitorada de perto, de acordo com o Gabinete de Engenharia Espacial Tripulada, que disse que o orbitador eventualmente queimará na atmosfera”, dizia o relatório de 21 de março de 2016.
A partir dessa declaração um tanto vaga, alguns analistas concluíram que a Tiangong-1 estava descontrolada, e a imprensa sensacionalista rapidamente noticiou que uma nave espacial descontrolada estava caindo em direção à Terra. Observadores amadores rastrearam a Tiangong e sua curva de luz apresentava variação consistentes com uma nave espacial girando devagar, fortalecendo os rumores de uma falha de energia na Tiangong-1.
Em julho de 2016, foi divulgada a informação que o supercomputador do projeto Sunway TaihuLight foi usado para simular a desintegração do módulo Tiangong durante a reentrada atmosférica, outra indicação de que a nave se dirigia para uma reentrada não-controlada.
Finalmente, em setembro de 2016, autoridades chinesas confirmaram que o Tiangong-1 faria uma reentrada descontrolada depois de sofrer uma falha a bordo em março. Funcionários disseram que a maior parte do laboratório espacial se queimaria na atmosfera e que o programa espacial da China iria monitorar a órbita de Tiangong para avisar outros operadores de possíveis colisões e emitir previsões para a reentrada da nave. Naquele momento, o fim da Tiangong foi previsto para o final de 2017.
Deve-se observar que a Tiangong-1 sobreviveu por mais de dois anos e meio após o fim de sua missão de dois anos. O destino da nave espacial foi selado por uma falha fatal em seu carregador de bateria, impedindo a energia das matrizes solares de recarregar as baterias da nave e levando a uma rápida redução da potência disponível.
Previsão de Reentrada, Riscos Para a Vida e de Prejuízos Materiais
Objetos são abandonados em órbita e reentram a atmosfera da Terra praticamente todos os dias. No entanto, a reentrada de um objeto grande com uma massa de várias toneladas métricas é bastante rara, chegando uma vez a cada ano ou dois. A Tiangong-1 é o objeto mais pesado a reentrar na atmosfera desde a sonda PhobosGrunt da Rússia, que mergulhou de volta à Terra no início de 2012 com uma massa de 13,5 toneladas.
Nos últimos anos, acordos internacionais foram feitos para garantir que os objetos pesados sejam retirados de órbita de forma controlada para evitar riscos para a população. Mas existem muitos satélites velhos e pesados ainda para reentrar e percalços, como falhas de lançamento ou problemas que tornam os satélites incontroláveis, podem deixar grandes espaçonaves a deriva, em órbitas de curta duração.
Nos últimos anos, a China prometeu adotar diretrizes internacionais para a gestão de detritos espaciais e pesquisas foram realizadas pelo país em vários projetos. No entanto, as ações passadas dos chineses, como o Teste Anti-Satélite de 2007, alavancaram a população de detritos orbitais do país para quase o mesmo nível da Rússia e dos Estados Unidos, apesar da China ter uma história bem mais curta de atividades espaciais.
Matematicamente, a reentrada da Tiangong cai na categoria de alto risco com o risco acima de 1 para 5.000 de ferimento ou morte humana. O padrão de segurança 1740.14 da NASA especifica que a nave espacial que sofre uma reentrada não controlada não deve exceder o risco de 1 para 10.000, correspondente a uma área de acidentes de detritos de 8 m².
Até o momento, não houve um acidente relatado associado à reentrada de um objeto artificial. Mas há reentradas ocorrendo sobre ou perto de áreas povoadas e restos de espaçonaves são conhecidos por sobreviver a reentrada. Também houve casos de objetos de uma nave espacial que foram recuperados em terra ou próximos à costa e, nos últimos anos, houveram eventos de peças espaciais causando prejuízos financeiros em terra.
Uma regra de ouro é que entre 20 a 40% da massa seca total da nave espacial pode sobreviver ao reentrada e “chover” na Terra, tanto em grandes partes sobreviventes quanto em pequenos grãos que se precipitam lentamente na atmosfera. Para Tiangong-1, isso poderia significar que 1,5 a 3 toneladas poderiam sobreviver à reentrada e chegar ao chão.
Outro fator que deve ser levado em consideração ao estudar o risco de reentrada de um objeto é a distribuição de terra e oceano. 75% da Terra é coberta por água, então a probabilidade de 25% de um satélite atingir a terra pode ser encontrada na mídia.
Na realidade, a questão torna-se mais complicada quando se olha a inclinação orbital da nave espacial, que altera a fração da órbita realizada de fato sobre a terra, dada a distribuição desigual de terra na direção latitudinal.
Em um estudo publicado por M. Matney na ‘Orbital Debris Quarterly’, as probabilidades de reentrada do satélite evitando terras foram calculadas para todas as inclinações orbitais de órbitas equatoriais a órbitas polares. O estudo avaliou a reentrada de um satélite hipotético com uma trilha de detritos de 800 quilômetros na direção da trajetória, mas sem largura ou dispersão de trilha cruzada para simplificar o modelo.
O finado laboratório espacial Tiangong-1 orbita a Terra com uma inclinação de 42,8°, o que significa que os detritos podem cair em qualquer lugar entre as latitudes 42,8° sul e 42,8° norte, cobrindo uma grande parte das áreas habitadas do planeta, mas também passando pelas vastas áreas de o oceano. Calculou-se que a probabilidade de que algum detrito acabe em terra para este tipo de órbita é de aproximadamente 38%.
Para adicionar outras complicações, as terras do planeta não são distribuídas uniformemente em diferentes longitudes e a Tiangong cobre diferentes áreas de terra a cada passagem ao longo do tempo, já que a Longitude do Nodo Ascendente da sua órbita não é fixa. Esta variação significa que a Tiangong-1 pode gastar apenas 16% ou até 42% de sua caminhada orbital sobre terra firme.
A população mundial, em sua maior parte, reside em latitudes médias. Portanto, as órbitas inclinadas entre 25 e 65 graus têm o maior risco de reentrada em relação aos centros populacionais em oposição às órbitas equatoriais que gastam muito tempo sobre o oceano e zonas de baixa densidade populacional, e órbitas de alta inclinação que cobrem o planeta inteiro, incluindo poucas populações áreas como a Antártica.
Previsão da Reentrada da Tiangong
Através do rastreamento da espaçonave e da propagação da órbita, é possível estimar a hora e a possível localização da reentrada com antecedência, mas este cálculo depende fortemente de uma série de fatores que não podem ser determinados com precisão. Esses fatores incluem as condições da atmosfera que impulsionam a velocidade da deterioração orbital e são influenciadas pela atividade solar que não pode ser prevista em longos períodos de tempo.
Outro fator que impulsiona a velocidade de deterioração orbital é a orientação da nave espacial, que determina a desaceleração causada pelo arrasto. A Tiangong-1 pode voar com o bico ou a cauda pra frente, o que criaria a menor quantidade de arrasto. Poderia virar de lado ou também poderia estar com os painéis solares voltados na direção do deslocamento, o que causaria o maior arrasto possível. Na realidade, provavelmente a nave espacial deve cair girando, tornando a modelagem do arrasto muito mais complicada.
Uma boa ilustração da dificuldade da modelagem exata da deterioração é a previsão inicial da reentrada da Tiangong em meados de 2017, que acabará por ser mais de meio ano depois.
Qualquer previsão de reentrada é sempre associada a uma janela de incerteza dada as incógnitas descritas acima. Muitas fontes distintas darão o horário de reentrada e mesmo as posições como valores absolutos, mas a verdade é que, enquanto a reentrada ainda for ocorrer depois de vários dias, a margem de erro em qualquer previsão pode ser de 24 horas ou mais. Mesmo no dia da reentrada, os cálculos só podem reduzir o horário e a localização aproximada em cerca de uma órbita da Terra, de modo que áreas de risco possam ser identificadas e outras áreas podem ser excluídas.
O Processo de Reentrada e os Componentes que Resistirão
A Tiangong-1 iniciou sua lenta descida em direção à atmosfera terrestre em dezembro de 2015, a partir de uma altitude de 390 Km, apenas dez quilômetros abaixo da órbita da Estação Espacial Internacional, que regularmente tem que gastar combustível para compensar o arrasto na atmosfera superior que traria ISS para baixo em um período de anos, se nada fosse feito.
Inicialmente, Tiangong-1 só perdeu algumas dúzias de metros de altitude por dia, dado o arraso quase insignificante experimentado na atmosfera superior sob a forma de colisões da nave espacial com íons, moléculas e átomos que, ao longo do tempo, a retardaram. Em setembro de 2016, quando a Tiangong-1 foi oficialmente declarada incontrolável, a nave estava perdendo aproximadamente 110 metros de altitude média por dia.
À medida que a nave espacial entra em órbita cada vez mais baixa, o arrasto aumenta e a velocidade de declínio orbital aumenta visivelmente. Em alguns casos, a nave espacial pode começar a “capotar” nos dias que antecedem a reentrada, quando atinge as camadas mais densas da atmosfera, mas em outros casos, a ela pode entrar em uma orientação aerodinamicamente estável nas camadas mais tênues da atmosfera ou pode até ser desacelerada a partir de um “capotamento” inicial.
A deterioração da velocidade orbital dependerá de uma série de fatores, que não podem ser conhecidos precisamente, como o estado da atmosfera da Terra, que só pode ser estimado com base no clima solar atual usando o fluxo de rádio de 10,7 cm, o índice Kp e os modelos de previsão espacial do tempo para alimentar simulações de decaimento. Além disso, a orientação da nave espacial desempenha um papel no nível de arrasto experimentado pelo veículo. Portanto, as previsões de reentrada são sempre associadas a uma barra de erro correspondente a cerca de 20% do tempo entre a predição até o momento da reentrada prevista.
Como um objeto de alto risco, a Tiangong será rastreada intensamente nos seus últimos dias em órbita. Os Estados Unidos operam o maior sistema de vigilância espacial do mundo que usa sensores terrestres e espaciais; É também o único sistema de rastreamento que fornece dados ao público para permitir uma estimativa independente do tempo de entrada. Rússia e China também executam grandes sistemas de rastreamento de radar e óptica e várias outras nações, como a Austrália,também tem capacidade de rastreamento óptico.
Quando a reentrada ocorre, sua posição pode ser calculada a partir de dados orbitais reunidos nas últimas órbitas antes do evento, mas os dados mais precisos serão fornecidos através de recursos espaciais exército americano, que pode rastrear a assinatura térmica da reentrada da nave espacial e, portanto, apontar a hora e o local com alta precisão.
Ao longo dos últimos dias de sua descida, a Tiangong-1 perderá altitude a uma taxa notável de vários quilômetros por dia, aproximando-se das camadas densas da atmosfera para um mergulho íngreme e ardente. Uma vez que atingir a atmosfera, a Tiangong começará um processo rápido, começando pela formação de plasma em torno da nave espacial. O calor intenso e a desaceleração mecânica fará com que a nave espacial se despedace e queime por algum tempo.
O início da reentrada ocorre a uma altitude de 120 a 100 Km, dependendo das condições atmosféricas. A nave normalmente se torna luminosa a uma altitude de 105 Km, à medida que o plasma se forma em torno da estrutura, embora o ar ainda não seja suficientemente denso para reduzir a velocidade da nave rapidamente. Devido a alta velocidade do objeto, cerca de 7,7 km/s, o ar a sua frente é comprimido em uma camada de onda de choque onde algumas das moléculas são separadas em íons, criando a típica camada visível de plasma, que pode estar presente mesmo minutos antes da desintegração.
O Ponto de Entrada, conforme definido pelo Comando Estratégico dos Estados Unidos representado em todos os seus dados, refere-se ao ponto em que espaçonave atinge 80 Km de altitude, onde o arrasto acumulado gera uma força destrutiva, desencadeando o início da desintegração da estrutura da nave espacial. A camada da onda de choque se forma exatamente em frente à nave espacial e quaisquer componentes são submetidos a um aquecimento considerável que causa a incineração da maior parte da estrutura da nave espacial; A desaceleração mecânica sofrida durante a reentrada pode chegar a até 20 G e destruir ainda mais os componentes estruturais e causar a desintegração da nave espacial.
A energia cinética de Tiangong-1 no ponto de reentrada deverá ser na ordem de 0.22 Terajoule, o equivalente a 52 toneladas de TNT. Esta energia seria suficiente para vaporizar facilmente todo a espaçonave, se toda essa energia fosse convertida em calor e inteiramente absorvido pela estrutura. No entanto, apenas uma fração da energia total de um satélite é convertida em calor absorvido pelo seu corpo e depende de uma série de fatores, como ângulo e velocidade de voo, bem como as propriedades do objeto (forma, área e massa).
Geralmente, os componentes soltos com uma relação de área a massa elevada, tais como os painéis solares e antenas refletoras, são perdidos primeiro, se destacando de um satélite a uma altitude de cerca de 90 Km. O corpo principal da nave espacial geralmente sofre desintegração a uma altitude de 60 a 88 km devido ao calor e às cargas dinâmicas sofridas durante a entrada. A modelagem para Tiangong-1 prevê uma falha crítica do compartimento pressurizado em torno de 65 Km de altitude.
A capacidade de sobrevivência de componentes específicos depende de uma série de fatores, incluindo o material que o compõe, a forma, a relação área / massa e a proteção fornecida por outras peças da nave espacial. De maneira geral, os componentes de alumínio devem queima completamente, a menos que tenham uma pequena área baixa em relação a massa, sejam protegidos por outras partes de satélite ou sejam lançados no final do processo de entrada. Titânio, esferas de aço inoxidável (tanques) ou carcaças sólidas de motor do foguete, tem uma boa probabilidade de sobreviver e chegar à superfície da Terra.
Uma série de modelos foram desenvolvidos ao longo dos anos para avaliar a capacidade de sobrevivência dos componentes de um satélite, e a NASA estabeleceu regras específicas para avaliações de risco para determinar se a reentrada não-controlada pode ser aceita como disposição de um satélite no final de sua vida.
À medida que a Tiangong for se quebrando em pedaços, componentes individuais irão desaparecer entre 45 e 78 Km de altitude, enquanto alguns componentes conseguirão sobreviver à reentrada e chegar ao chão.
Os componentes da nave espacial Tiangong-1 que são principais candidatos a sobreviver a reentrada incluem os dois mecanismos de comando dos painéis solares, os tanques esféricos de pressurização e de gases atmosféricos, componentes dos dois motores principais, janelas e o pesado sistema de ancoragem, que é de construção particularmente robusta.
Uma informação desconhecida é a quantidade de propelente não utilizado ainda a bordo da nave espacial. Se ainda houver propelente na Tiangong-1, pode estar em um estado congelado e agir como dissipador de calor durante a entrada, permitindo que partes dos tanques e seus suportes estruturais sobrevivessem.
Os componentes que sobrevivem à reentrada atingem o solo em qualquer lugar entre 500 e 1.200 Km do ponto de reentrada. As peças com um coeficiente de baixa balística (baixa densidade / área alta, por exemplo, tanques) terão a distância de viagem de mais curta, enquanto os componentes densos com alto coeficiente balístico, como o mecanismo de comando dos painéis, podem viajar 850 km ou mais. A viagem até o solo é influenciada pelas condições climáticas locais, como os ventos.
Observando a Reentrada
Conforme descrito acima, a previsão do horário exato de reentrada é quase impossível, mas à medida que o evento se aproxima, será possível reduzir o evento para uma janela de poucas horas que ajudará a orientar as tentativas de observação.
A Tiangong-1 é um excelente objeto para observação a olho nu em um céu suficientemente escuro. Dada a sua baixa inclinação, nem todas as regiões podem ver a nave espacial – observadores até 50° de latitude podem ter passagens baixas, mas a zona de observação favorável se estende de 43° Norte a 43° Sul.
Nos dias que antecederam a reentrada, a Tiangong-1 poderá ser vista como um pequeno ponto cruzando o céu. Uma possível variação no brilho pode indicar a rotação da nave espacial. Ao reentrar, ela irá atravessar o céu se desintegrando, com uma cauda de plasma visível e restos brilhantes caindo de volta à Terra.
Se houverem passagens da TG-1 próximas a você, em torno do horário previsto para reentrada, você certamente deve sair e procurar a nave espacial. Sites como Heavens-Above.com fornecem uma lista de passagens para qualquer local da Terra. Mas atenção: previsões de passagem desses sites baseiam-se em informações orbitais que são atualizadas várias vezes por dia. No dia da reentrada, a órbita da nave espacial decai rapidamente, de forma que essas previsões tornam-se imprecisas muito rapidamente e o tempo do início da passagem pode variar alguns minutos.
Se você observar a nave espacial nos dias que antecedem a reentrada ou vislumbrar a reentrada, nos mande uma mensagem ou envie um e-mail. Estamos muito interessados em seus relatórios de observação e fotos! (forneça um local de observação aproximado para tornar possível a análise dos dados)
Como os Rastreadores de Satélite Funcionam
Muitos se equivocam sobre como funcionam os sites de rastreamento de satélites, como o n2yo.com. Uma crença comum é que esses “sites de rastreamento em tempo real”, de fato, mostram a posição do satélite com base em informações de rastreamento coletadas em tempo real. Mas não é este o caso.
Os rastreadores recebem um conjunto de elementos orbitais – tipicamente uma ou duas vezes por dia – a partir do qual é calculada a posição do satélite a qualquer momento.
No entanto, quando uma espaçonave se aproxima da reentrada, a redução rápida do período orbital resultará numa falta de sincronia entre o rastreador e a posição real do satélite. Portanto, é comum que o satélite apareça até alguns minutos antes dos tempos previstos pelos rastreadores on-line. Além disso, quando a reentrada ocorre, os rastreadores on-line continuarão a mostrar a posição calculada do satélite por várias horas ou mesmo dias, embora o satélite já tenha deixado de existir.
Texto original:
Patrick Blau, disponível no Spaceflight101
Tradução/adaptação:
Marcelo Zurita, Alexsandro Mota, Andrei Roger Lima e Claudio Max
BRAMON
[…] Fonte: Space Academy Excelente artigo na SpaceFlight101, aqui, com tradução em português na BRAMON, aqui. […]