Neste início de fevereiro, a BRAMON já conta com mais de cem mil meteoros registrados, mais de 10.000 órbitas determinadas, mais de 1000 TLEs documentados e mais de 120 novos radiantes de chuvas de meteoros descobertos ao longo de 4 anos de existência. São 112 câmeras, 78 operadores em 20 estados do Brasil. Números impressionantes e que atestam o tamanho e relevância da Rede dentro da Ciência de meteoros no mundo. Mas a essência do trabalho permanece naquilo que, às vezes, parece ser o mais simples.
Dentro destes conceitos, nesta última semana aconteceu algo que hoje pode parecer uma pequena fração dentro um trabalho maior. Mas, considerando que o nível de respaldo que temos hoje é fruto de um esforço legitimamente colaborativo, nada mais justo do que celebrar um grande feito.
No último dia primeiro de fevereiro, um meteoro “comum”, atravessou o céu do interior da Bahia. Não era um fireball ou mesmo muito brilhante. Não era de uma das grandes chuvas de meteoros, nem mesmo era um esporádico, capaz de entrar no grupo de pesquisa para novos radiantes. Não foi mais longo ou mais curto que a maioria, não tinha cores exóticas ou se fragmentava. Mas ocorreu na hora certa e na posição certa.
O tal meteoro entra para história! Se destaca dos milhares que alimentam desde cadernos à softwares de cálculos. destoa de dezenas de milhares que estão arquivados em nossos banco de dados. Aquele meteoro aparentemente comum, gerou a primeira órbita, determinada por estações associadas à BRAMON, em céu baiano.
Visto a partir de Irecê e de Conceição do Coité, o meteoro que surgiu na atmosfera pouco depois das 3h da manhã do dia primeiro, ganha um lugar especial em nossa galeria. E uma vez que foi registrado simultaneamente pelas estações de Wendel Gonçalves¹ (WGI1) e de Alexsandro Mota² (MDE1), muitos dados poderiam ser extraídos daquele meteoro.
Meteoro da chuva OHY, visto a partir da estação MDE1/BA
Meteoro da chuva OHY, visto a partir da estação WGI1/BA
O pareamento ocorre quando duas ou mais estações estão suficientemente distantes entre si e registram o mesmo meteoro. Assim, por conta do efeito de paralaxe, é possível reconstituir a trajetória que o meteoro teve no espaço tridimensional. Uma vez que tenhamos a trajetória e a velocidade geocêntrica, é possível determinar qual a orientação que o meteoro possuía no espaço, antes de colidir com a Terra. Isto nos possibilita a reconstruir a órbita do mesmo. As órbitas são matéria-prima de estudos avançados da dinâmica orbital e para as pesquisas de atualização de características de antigas chuvas e busca de novas chuvas de meteoros.
Trajetória do meteoro OHY e as linhas de visada das estações MDE1 e WGI1
Os dados orbitais mais atuais (Jenninskens, 2017) da chuva OHY são os seguintes: Longitude Solar: 307,3; RA: 175,1; DEC: -33.3; a = 7.55; q = 0.674; e = 0.914; Peri = 70.4; Node = 128.4 e I = 114.1.
Visões diversas da órbita do meteoro pareado pelas estações MDE1 e WGI1 (em azul temos a órbita da Terra)
O meteoro pareado na Bahia possuía um período orbital de 20,7 anos. Isto significa que quando o mesmo passou pelas proximidades da Terra na penúltima vez, Wendel era bem criança e Alexsandro nem sequer era nascido.
A BRAMON compreende e incentiva os seus integrantes a valorizar cada meteoro, por mais simples que seu registro possa parecer. O caminho entre ajustar os equipamentos para uma noite de capturas e a elaboração de conceitos em dinâmica orbita que irão preencher artigos científicos está aberto para todos. Oportunidades para a busca de formação estão tanto nos canais acadêmicos quanto através de leitura de artigos, tutoriais, pesquisas próprias e formação de equipes de trabalho.
O pequeno meteoro omicron Hydrids registrado na Bahia, encerra em si, todos os conceitos positivos que a BRAMON não só apregoa, mas se propõem a vivenciar. E por mais clichê que possa parecer, notamos aqui: 1 + 1 > 2. Pois duas estações, trabalhando juntas, conseguem promover a construção de dados orbitais que nos dão uma face muito mais legítima de cada meteoro.
O pareamos das estações MDE1 e WGI1 foi apenas o primeiro de tantos outros que virão. Provavelmente não existira uma matéria para cada novo evento deste tipo por lá. Mas nem por isso deixaremos de celebrar a concretização da pareceria que reflete tão bem o sentido de trabalho colaborativo que tanto desejamos consolidar.
¹Wendel Gonçalves (23) mantém a estação WGI1. Nascido e morador de Irecê-BA. É um estudante que almeja cursar Engenharia Aeroespacial. Apaixonado por Astronomia desde criança, tem objetivos de conduzir divulgação científica em sua cidade e região. Este mês inicia curso de LIBRAS, ampliando o alcance de sua comunicação. Ao descobrir a BRAMON sentiu-se totalmente atraído pois já fazia trabalho voluntário em um dos projetos do zooniverse.org. “Com a BRAMON percebi que posso fazer um trabalho mais palpável, integrando o estado e a cidade”, disse Wendel. A instalação da estação WGI1 ocorreu em 2017, no mês de setembro.
²Natural de Conceição do Coité-BA, Alexsandro Mota tem 18 anos. Considera-se amante da Astronomia. dedica tempo à divulgação científica na Internet através da Página do Facebook “Mistérios do Espaço”. A paixão por Astronomia começa ainda quando criança ao observar o céu estrelado. A instalação da estação MDE1 ocorreu em fevereiro de 2017, sendo a primeira estação associada à BRAMON na Bahia. “Para mim, este pareamento é um momento histórico e gratificante. Saber que temos a primeira órbita após quase um ano de atividade é muito motivador. Quero me dedicar mais ainda à Ciência”, foram as palavras de Alexsandro.
Órbitas: Universe SandBox 2. Imagens do meteoro cedidas pelos operadores. Texto e Edição: Lauriston Trindade*
* Lauriston Trindade é graduando em Física pela Universidade Estadual do Ceará. Integrante da BRAMON desde 2015. Co-descobridor de chuvas de meteoros. Membro da International Meteor Organization (IMO).