A BRAMON e o fluxo de trabalho colaborativo – Interlúdio

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– Argus –

Após muitas noites de inatividade, a Estação MPE1 reabriu seu olho de silício. Localizada no extremos nordeste do Brasil, a pouco quilômetros do Oceano Atlântico e enclausurada por dois paredões de serras.
Era noite diferenciada. Desde o final de dezembro de 2015, sucessivas noites nubladas embaçaram minha visão do céu. Conjunções, cometas, oposições planetárias… Meteoros. Tudo desfilava acima do tapete misto de cirrus, cúmulos ou mesmo era ofuscado pelas descargas dos CB’s. Vivo numa região de climatologia exótica. Somos a única região equatorial do planeta onde impera o clima semi-árido. Isto, fruto da dinâmica dos ventos e do formato de nosso continente sul americano. Fui exilado do céu. Em contrapartida, vi a BRAMON ampliar sua visão para mais e mais estados no país. Novos operadores, novas estações, novas parcerias. Do Maranhão ao Rio Grande do Sul. De Mato Grosso à Paraíba, estamos em busca de reforçar nossa identidade com a Ciência e com o trabalho em equipe. Somos um grupo poderoso e que muitas vezes não tem tanta noção deste poder. Temos produzido material às vezes mais precisos que qualquer meteorito. Isto porque, muitas vezes, temos experimentado o desenvolvimento de técnicas, modelos de gestão e de avaliação de resultados que, aí sim, serão utilizados “até” para a busca de meteoritos.
Na semana passada remontei a estação. mas não a deixei em sua posição definitiva. Montei a câmera num tripé fotográfico, mexi em seus ajustes de fábrica, lambi os pixels em busca de um melhor foco, apontei para o azimute 130º, elevação de 45º. Acionei o computador. Estava deveras esperançoso com a transparência da noite. Marte, Saturno e Antares formavam um trio amarelo avermelhado no meu céu leste. A Lua estava prestes a nascer. Sem sono fiquei adiantando coisas da faculdade e do trabalho. “Detecting” acionado. Vaga-lumes, Corujas, mariposas, morcegos… Vários rastros que eu já conhecia e que geravam falsos positivos. Mas, ainda antes da meia noite, os meteoros surgiram. A maioria vindos do Sul. Tratei de fazer a máscara e já fui analisando os que podia. Por volta de duas da manhã, fui dormir. Acordei as cinco e doze. Desliguei todo o sistema manualmente. Terminei a análise dos demais meteoros da noite. Foram sete no total. Organizei tudo e fiz o upload para o servidor BRAMON.
Na mesma manhã, Marcelo Zurita avisou que ele havia registrado um meteoro na mesma posição de tempo que eu. Se a análise se confirmasse, teríamos a primeira órbita determinada em conjunto por estações da Paraíba e Ceará.

Projeção da órbita entre as estação de Maranguape(CE) e João Pessoa (PB)

A BRAMON possui enorme histórico de pareamentos entre diversas combinações de estações. Algumas órbitas puderam ser refinadas a partir de capturas múltiplas. O que estava diante de nossos olhos não era a primazia de pareamentos. A extensão do reforço ao trabalho em equipe se materializava mais uma vez ali.
Obviamente nem todas as estações tem seus pares. Não imediatamente. Mas vale todo esforço em expandir a rede de forma a coordenar as estações com pares, trios, quartetos… Isto oferece uma dinâmica estética às capturas, quando se trata de eventos de fragmentação. Também oferece maior acurácia para determinar as órbitas originais do meteoros e, em caso de eventual queda, facilita a determinação da zona de impacto. Tal exercício de trabalho em conjunto oferece responsabilidades também. Sua estação passa a integrar, legitimamente, a um Rede. Sem ela, uma lacuna no espaço se abre.
O que a BRAMON faz é Ciência. Um modo de obter conhecimento que requer melhorias contínuas na leitura do Universo. Assim, não basta que tenhamos cem olhos, como o mitológico Argus. Temos que distribuir nosso olhar ao passado, que construiu a BRAMON. Mas também devemos olhar o futuro: com os desafios de uma rede mundial para difusão científica. Que os olhos da BRAMON sejam sempre ativos. Não queremos que sejam apenas os decorativos olhos na cauda de um pavão mítico.

 

Texto originalmente escrito em 1º de maio de 2016. Lauriston Trindade*

*Lauriston Trindade é graduando em Física pela Universidade Estadual do Ceará, integrante da BRAMON desde 2015. Co-descobridor de chuvas de meteoros e membro da IMO (International Meteor Organization).

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